terça-feira, 17 de maio de 2011

Justiça gratuita: uma bela decisão!

A Lei 1060/50 isenta do pagamento de custas iniciais em processos judiciais todas as pessoas que seguem, à risca, as regras nela contidas, sendo essencial demonstrar que o interessado não possua condições de arcar com tais custas, mediante apresentação de estado de pobreza.

Na cidade de Uberlândia-MG, um juiz de direito da Justiça Comum, cujo salário mensal é superior a 35 salários-mínimos conseguiu o benefício da gratuidade da justiça, enquanto, na cidade paulista de Marília, o filho de um marceneiro falecido não obteve êxito em seu pedido. Incorformado, seu advogado recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo e talvez por um sopro divino, o recurso foi parar nas mãos do Desembargador José Luiz Palma Bisson, cuja emocionante decisão merece aplausos:

"É o relatório. Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um  filho de coração duro - ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia.Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna. Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai - por Deus ainda vivente e trabalhador - legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita por ele em paubrasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina. Desde esses dias,  que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos. São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.  O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante. Claro como a luz,  igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede  não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres. Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou. Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os  advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos...                                
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir. Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.  É como marceneiro que voto.                                
JOSÉ LUIZ PALMA BISSON -  Relator Sorteado"

Eis a verdadeira justiça! Imagino a reação do juiz (de coração duro ou sem ele..) que indeferiu a concessão da justiça gratuita lendo esta decisão...

2 comentários:

  1. Não tinha visto esse post, Gustavo!! Depois de receber o e-mail com esse caso, eu realmente fiquei emocionada...acho que foi um sopro divino também!! Que sorte do garoto! Além de ter conseguido a justiça gratuita ainda veio com essa belíssima decisão pra ser guardada entre os exemplos, não é?

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  2. Lamentavelmente a Justiça mineira concede justiça gratuita a um Juiz de Direito, enquanto nós servidores públicos, que ganhamos bem menos do que um Juiz não conseguimos tal benefício. Que País é este, injusto, onde vale a lei do mais forte, parecemos animais irracionais?, pois entre os animais prevalece esta lei do mais forte. País de faz de conta, onde fingem que fazem mas tapeia o povo com ilusões e promessas, que na prática não são cumpridas. Parece que no Brasil a lei vale somente para uns poucos e o povo que se dane. Esta deve ser a imagem do Brasil lá no exterior.

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